A repórter Larissa Guerra conversou, durante a Expogestão 2011, com o filosofo Mário Sérgio Cortella. Leia a seguir toda a entrevista:
Como conciliar trabalho, lazer e família em uma época em que cada vez mais as empresas fixam metas, exigem resultados, o que indiretamente acaba resultando em jornadas de trabalho de 10, 12, 13 horas?
Mário Sérgio Cortella - A gente precisa ter clareza que tempo é uma questão de prioridade. O meu dia hoje terá 24 horas e, ao menos que eu morra durante esse período, eu vou escolher o que eu vou fazer nessas 24 horas. Isso significa que é preciso criar tempos, organizar melhor o nosso trabalho de maneira que a gente possa fazer com que a nossa atividade laboral não soterre e não descarte o nosso tempo de convivência para outras atividades. Afinal, o trabalho é um pedaço da nossa vida. A vida profissional é parte da vida pessoal. Eu sou uma pessoa que tem várias dimensões: a profissão, a amizade, o casamento, o sindicato, a religião. Portanto, essa multiplicidade minha dentro de uma perspectiva de pessoa é que me leva a equilibrar isso. E equilibrar não significa dividir ao meio, deixar 12 horas para uma coisa e 12 horas para outra. Equilibrar é ser capaz de ir aos extremos sem se perder. Há momentos em que vou ficar intensamente cuidando de coisas que não estão ligadas ao trabalho e há momentos em que vou ficar cuidando do trabalho. E pode até ser por dez, 12, 15 horas, mas tendo clareza que é algo circunstancial, episódico e que não vai esgotar a minha condição.
A Notícia - O senhor considera que é necessária uma mudança de visão no que as pessoas definem como trabalho ou emprego?
Mário Sérgio Cortella - Sem dúvida. Emprego é fonte de renda e trabalho é fonte de vida. Há muitas pessoas que não estão em um emprego, mas que têm trabalho: mãe, dona de casa, pessoas que ajudam a cuidar de outros têm um trabalho. Já por outro lado, muitas pessoas encontram no emprego o trabalho que queriam ter. Isso significa que essas pessoas se sentem bem no trabalho que fazem porque o fazem, inclusive sendo na possibilidade de ser dentro de um emprego. Tem gente também que pensa diferente: "no dia em que eu puder, eu vou fazer o que eu gosto". Há uma definição clássica de trabalho, que não é sinônimo exclusivo de emprego, de que o trabalho é aquilo que eu faço com um prazer imenso, ou, sendo mais sincero, aquilo que eu faria até de graça. Se você consegue fazê-lo recebendo, isto é, transformando seu trabalho em um emprego, essa é a melhor coisa que existe. Eu sou professor, sou palestrante, tudo isso que eu faço é o meu trabalho. Como eu faço isso dentro de um emprego, como profissão, isso me torna mais feliz ainda.
A Notícia - O que é fundamental e o que é o essencial na vida das pessoas?
Mário Sérgio Cortella - O fundamental é tudo aquilo que ajuda a chegar ao essencial. E aí, você me pergunta: o que é o essencial? O essencial na vida é tudo aquilo que não pode não ser: a amizade, lealdade, fraternidade, sexualidade, espiritualidade, religiosidade, solidariedade, honestidade, em última instância, felicidade. Isso é essencial. O fundamental é como uma escada: ninguém tem uma escada para ficar em cima dela. Você tem uma escada para ir a algum lugar. Por exemplo, dinheiro não é essencial. Dinheiro é fundamental. Sem ele, você tem problemas, mas ele não é essencial. Carreira não é essencial, carreira é fundamental. Eu tenho uma carreira para alguma coisa, que me leve à minha realização, à minha capacidade de partilha. E nessa hora, quando se confunde o essencial com o fundamental, a pessoa fica aprisionada dentro daquilo que é a mera escada. E há pessoas que ficam paradas em cima da escada, ao invés de ir ao lugar onde precisam ir.
A Notícia - O senhor defende a ideia de que liderança é uma virtude, e não um dom?
Mário Sérgio Cortella - Ela não é, no ponto de partida, um dom. A liderança leva em conta coisas que são inatas. Por exemplo: eu lidero palestras, eu lidero aulas. Tem coisas em mim que nasceram comigo: eu sou grande, isso ajuda uma docência. Eu tenho uma voz que é naturalmente mais poderosa, que ajuda na minha produtividade. Mas, o falar, o conteúdo, o relacionamento com o público, a capacidade de sensibilidade, são coisas que vão sendo aprendidas. Portanto, a liderança é uma virtude, isto é, é uma capacidade intrínseca que conta com coisas inatas que alguns chamam de dom. Mas que eu chamo de apenas e somente uma característica inata que pode facilitar. Nem todo mundo que tem voz forte vai para o rádio ou para a docência. E nem está só na docência e no rádio quem tem voz forte. Ela não é definitiva, ao contrário, ela ajuda.
A Notícia - Como é possível, então,desenvolver esse potencial de liderança?
Mário Sérgio Cortella - A primeira coisa é que é preciso ter coragem para fazê-la. É preciso lembrar que a oportunidade é um vento que você precisa ir buscar. O bom navegador não fica esperando o vento chegar, ele vai atrás. Por isso, aquele ou aquela que desejam liderar um processo ou uma organização, ele não pode imaginar que a coisa vai passar ao lado dele e aí ele vai embarcar. Ao contrário, é preciso procurar. E para isso, é necessário ter coragem . E coragem não é a ausência de medo, é a capacidade de enfrentar o medo. Gente que diz que não tem medo não é corajosa, é inconsequente. O medo nos ajuda proteger, a cuidar, a prevenir. Mas a coragem é um enfrentamento do medo. Portanto, o primeiro passo é a atitude. E a atitude exige coragem. E coragem, antes de mais nada, está marcada pela capacidade nossa de termos clareza de para onde nós queremos ir. Eu sempre lembro a Alice no País das Maravilhas, quando o grande Lewis Carroll, em que há uma personagem magnífica, que é o gato. Quando a Alice o encontra pela segunda vez, ela está perdida e vira para o gato e pergunta "você pode me ajudar?". Aí o gato responde: "claro". Ela falou: "para onde vai esta estrada?". Ele fez uma pergunta ótima e falou: "para onde você quer ir?". Ela disse, "eu não sei, estou perdida". Ele falou: "bom, para quem não sabe aonde vai, qualquer caminho serve". É necessário, se você e eu quisermos liderar, que a gente tenha coragem e foco, isto é, para onde nós queremos ir? Quando a gente sabe para onde quer ir, aí a gente começa a caminhada naquela direção.
A Notícia - Quais personalidades o senhor considera hoje como líderes? Como se reconhece um líder?
Mário Sérgio Cortella - Nós temos várias pessoas que podemos considerar como líderes, como o Nelson Mandela é um líder estupendo, magnífico. Ele jovem advogado, aos 40 anos foi preso e ficou até os 67 anos nessa condição. Esse é um homem especial. Se você observa, hoje, há homens e mulheres que conseguem liderar processos. O Lula foi um líder político e ele continua nesse processo. Ele pegou a nação e durante oito anos deu a ela um avanço que não era exclusivo, não era inventado por ele, não era exclusividade também do grupo ideológico dele, mas é inegável o quanto nosso país avançou. Aliás, um líder é aquele que enxerga além do óbvio. Você já imaginou, se alguém dissesse para nós, há 20 anos, que esse país ia decolar se a gente tivesse como presidente da República um professor de Sociologia, um torneiro mecânico e uma guerrilheira? A gente diria que aquilo era uma coisa maluca. Ao contrário, são pessoas na sua atividade de forças de liderança. Mas, entre as pessoas que estão vivas, sem dúvida a que eu mais admiro é o Nelson Mandela, pela capacidade dele de produzir o bem. No nosso país, eu tinha uma grande admiração e ainda tenho pela Dra. Zilda Arns, já falecida, mas uma pessoa que se dedica a fazer com que as crianças não pereçam inutilmente, exerce uma liderança muito grande. No campo empresarial, eu destacaria várias empresas familiares que têm essa percepção, seja o Jorge Gerdau, seja o Emílio Odebrecht. Em Santa Catarina, dentro da Weg você tem líderes, na Marisol, você tem muitas lideranças. E por outro lado, há algumas empresas que só possuem chefes.
A Notícia- O senhor cita ainda que ninguém é líder ou liderado o tempo todo. Esse processo é facilmente perceptível?
Mário Sérgio Cortella - Nenhum de nós lidera tudo o tempo todo de todos os modos. Por exemplo, eu sou muito bom para liderar às vezes uma palestra, uma sala de aula, coisa que eu faço há décadas. Mas eu não sei liderar a organização de uma festa, ou para organizar uma excursão até o santuário da Madre Paulina. Eu nem sempre sei organizar um piquenique, mas há pessoas que o fazem bem. Eu sei fazer outras coisas. Por isso, quando eu fui secretário de Educação em São Paulo, uma das coisas que eu fazia era escolher para coordenar projetos a pessoa que era melhor do que eu. Aliás, há uma frase antiga que diz que quando você tem subordinados que são melhores do que você, você é melhor do que eles, no sentido de saber articulá-los, de trazê-los para o trabalho. Repito: nenhum e nenhuma de nós é líder ou liderado o tempo todo. A liderança é circunstancial e ela precisa ser partilhada. Há coisas que você sabe fazer no campo da mídia, e outras que você não sabe. Há coisas que eu sei fazer na universidade, na educação escolar, e outras que eu não sei. O que eu não posso é ser, ao invés de ser um líder formal, é ser um líder "formol", que é aquele que conserva os cadáveres daquilo que já foi.
vi no blog "e eu com isso" de Vandré Kramer
O Tempo, o Essencial, o Fundamental e a Liderança - Por Mario Sergio Cortella
por mistertube.blogspot.com em cortella, emprego, essencial, felicidade, fundamental, Liderança, mario sergio cortella, não tenho tempo, prioridade, saúde, tempo, trabalho
Tolstoy Cardoso Neto, é engenheiro, criador e editor do Mister Tube. Curte tecnologia, filosofia, cinema, música e esporte. Faz do seu Blog um local para informar, divertir, protestar e homenagear.